Fonte: Jota
Por Alexandre Leoratti
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) manteve uma decisão judicial que livrou uma empresa do ramo farmacêutico de uma autuação fiscal por suposto planejamento tributário abusivo em despesas de amortização de ágio. Segundo tributaristas entrevistados pelo JOTA, a decisão é importante porque mostra que o Judiciário pode decidir sobre o tema de forma diferente do Carf, onde os contribuintes costumam perder os processos sobre o tema.
A decisão é de relatoria do desembargador federal Antonio Carlos Cedenho, no processo 5001394-68.2019.4.03.0000. Tributaristas apontam que ainda são poucos casos sobre o tema na Justiça.
A amortização de ágio ocorre após a aquisição de uma companhia a um preço maior do que o valor demonstrado no balanço. Com isso, o comprador faz uma aquisição com base na expectativa de rentabilidade futura, que tem como consequência a possibilidade de abatimento do valor extra das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
O processo analisado pelo TRF3 envolve a SM Empreendimentos Farmacêuticos Ltda, que participou de uma reestruturação societária, sendo adquirida pela empresa Holandesa Collegiale Bereidning BV. A operação foi feita por meio da holding TWZSPE Empreendimentos. Na operação, houve o registro contábil de ágio no valor de R$ 68,3 milhões, que foi posteriormente amortizado.
A Receita Federal argumenta que, embora a operação possa aparentar lícita “quando analisadas isoladamente”, não existe “causas negociais” para a forma escolhida pela companhia. Para a fiscalização, ocorreram “condutas que visam modificar ou excluir o fato jurídico tributário”, ou seja, pagar menos tributos de forma dolosa.
“O resultado da reorganização societária proporcionou ao sujeito passivo os melhores efeitos tributários que não seriam possíveis legalmente”, afirma a fiscalização.
Por outro lado, o contribuinte alega que agiu de acordo com a legislação e que todas as operações foram registradas e declaradas, com apresentação de laudos quanto aos negócios realizados.
Valor subjetivo
Segundo o desembargador federal responsável pela decisão a favor do contribuinte, não houve ocultação da prática e dos objetivos dos negócios realizados. Com isso, para o magistrado, não há dolo para configurar um “planejamento tributário abusivo”, já que o ágio teria sido amortizado conforme a legislação vigente à época.
Ele acrescenta que o argumento de “falta de propósito negocial” utilizado pelo fisco não seria suficiente para desconsiderar os atos jurídicos praticados pelo contribuinte. Segundo o magistrado, o argumento usado pelo fisco tem “valor subjetivo”.
O magistrado conclui que não é possível avaliar se a conclusão do fisco, de que houve planejamento tributário abusivo, teve critérios objetivos, “uma vez que as provas indicam que todos os atos praticados foram registrados e declarados pela agravada, o que pode revelar, inclusive, mera divergência interpretativa quanto às normativas válidas à época”.
“Por certo, é necessária a observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para a interferência do Estado na autonomia e na liberdade do contribuinte para efetuar seu planejamento tributário, sob risco de prejudicar a estabilidade das relações jurídicas e a previsibilidade no ambiente da tributação”, afirmou o magistrado.
Carf e Judiciário
Segundo Ana Monguilod, sócia do PGLaw e professora do Insper, a decisão judicial é positiva para os contribuintes porque mostra que o Judiciário está disposto a se “apegar ao que está na legislação”.
“Isso confirma uma expectativa que tínhamos há anos em relação à reação do Judiciário ao receber casos de planejamento tributário e aproveitamento fiscal da amortização de ágio. No âmbito administrativo, analisamos que o Carf começou a julgar enxergando requisitos que não estão na lei”, afirma a tributarista.
Ela acrescenta que ainda é cedo para afirmar que já existe uma jurisprudência formada no Judiciário, já que poucos casos da temática foram julgados na Justiça.
Segundo Matheus Bueno, sócio do Bueno e Castro Tax Lawyers, a decisão favorável aos contribuintes no Judiciário não significa necessariamente que as empresas devem “pular” o Carf e questionar uma autuação diretamente na Justiça.
“Agora, com a queda do voto de qualidade, há mais esperança para esse tipo de discussão no Carf. Isso porque os casos decididos contra os contribuintes costumam acontecer pelo voto de qualidade”, afirmou o tributarista.
Ademais, Bueno afirma que outra vantagem na discussão dentro do Carf é a especialidade tributária e em contabilidade dos conselheiros. Sobre o tema do ágio, tratado na decisão judicial, ele afirma que economizar tributos é uma causa negocial em si, com o objetivo de manter recursos em caixa. Ele acrescenta que os contribuintes, em grandes operações, já pagam quantidades elevadas de tributos. “A lei criou o ágio esperando que os contribuintes aproveitem do ágio”, concluiu Bueno.
Para Frederico de Almeida Fonseca, sócio do Rolim, Viotti e Leite Campos Advogados, se a “visão mais razoável e proporcional dos planejamentos tributários começar a prevalecer nos tribunais”, os futuros casos administrativos julgados no Carf poderão ser impactados.
Sobre a decisão judicial, o tributarista conclui que, se por um lado o fisco enxerga os planejamentos sob “o enfoque do abuso, da simulação e da fraude”, do outro lado os contribuintes defendem a “liberdade de planejar suas atividades da forma menos onerosa fiscalmente”. “De forma equilibrada, proporcional e razoável, o Judiciário demonstra haver um meio termo entre essas duas posições”, conclui.