carregando...
Banner Informativo

Transação tributária de alto impacto econômico: avanço ou retrocesso?

Por: Carlos Henrique Machado
Fonte: Conjur

Ao tempo em que se noticiam avanços entre o Senado e a Fazenda para a votação do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 125, de 2022, que qualifica e impõe restrições ao devedor contumaz, uma nova iniciativa de transação tributária focada em disputas de alto impacto econômico é regulamentada pela Portaria PGFN/MF nº 721, de 2025.

A proposta de transação na cobrança de créditos judicializados com montantes significativamente elevados, baseada no Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado (PRJ), é resultado da instituição do Programa de Transação Integral (PTI), regido pela Portaria Normativa MF nº 1.383, de 2024, composto por um conjunto de medidas destinadas à redução do contencioso tributário de alto impacto econômico, com o objetivo de promover a regularização de passivos e encerrar litígios de forma eficiente e consensual (artigo 1º).

O que precisamente distingue a transação na cobrança de créditos da União objeto de contencioso de alto impacto econômico é a mensuração do Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado (PRJ), empreendida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a partir da avaliação do custo de oportunidade baseado na prognose das ações judiciais relacionadas aos créditos inscritos ou não em dívida ativa, considerando critérios como o grau de indeterminação do resultado das ações judiciais e a temporalidade da discussão judicial relativa aos créditos.

Os temas potencialmente envolvidos no Programa de Transação Integral (PTI) foram pré-definidos pela Portaria Normativa MF nº 1.383, de 2024 (Anexo I), com a descrição de um rol mínimo de controvérsias jurídicas disseminadas e relevantes integrantes da política de negociação, sem prejuízo de outros temas acrescidos posteriormente.

Para o atendimento desse fim, coube atribuir à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil o esforço de mutuamente colaborarem, dentre outras tarefas, para o compartilhamento de dados ou fornecimento de informações cadastrais, patrimoniais e econômico fiscais necessárias à mensuração da capacidade de pagamento dos contribuintes e do Potencial Razoável de Recuperação de Créditos Judicializados (PRJ).

Pois bem. Ao regulamentar a proposta de transação tributária baseada no Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado, integrante do aludido Programa de Transação Integral, a recém-publicada Portaria PGFN/MF nº 721, de 2025, tratou (aparentemente) de desprezar a capacidade de pagamento do sujeito passivo, precisamente na negociação de créditos que alcancem valor igual ou superior a R$ 50 milhões.

Veja-se que, nos temos da Portaria PGFN/MF nº 721, de 2025, o Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado, medida para concessão de descontos, será mensurado a partir do custo de oportunidade baseado na prognose das ações judiciais relacionado ao crédito negociado e considerará:

1 – o grau de indeterminação do resultado das ações judiciais obstativas dos meios ordinários e convencionais de cobrança;
2 – a temporalidade da discussão judicial relativa aos créditos objeto de negociação;
3 – o tempo de suspensão de exigibilidade por decisão judicial; 4 – a perspectiva de êxito das estratégias judiciais; e
5 – o custo da demanda e da cobrança administrativa e judicial (artigo 5º). Adicionalmente, os créditos devem estar inscritos em dívida ativa da União, ser objeto de ação judicial antiexacional, além de estar integralmente garantidos ou suspensos por decisão judicial.

A metodologia chama a atenção porque o compromisso sempre alardeado desde a implementação do marco legal da transação tributária, instituído pela Lei nº 13.988, de 2020, foi de romper com a lógica anti-isonômica dos antigos programas de parcelamento, prestigiando a capacidade contributiva (capacidade de pagamento) e celebrando o contribuinte bom pagador. E aqui é importante não olvidar que a Portaria PGFN/MF nº 721, de 2025, tratou de autorizar, a exclusivo critério da administração tributária e observado o Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado, a concessão de descontos muito significativos, de até 65% do valor do crédito (abatimento máximo permitido em lei federal), vedado o desconto sobre o principal (artigo 4º).

Outra questão importante a ser observada é que a Lei nº 13.988, de 2020, obstaculiza a transação tributária que envolva devedor contumaz, sendo que os noticiários já dão conta — conforme iniciamos informando nesse texto — da iminente deliberação pelo Congresso do PLP nº 125, de 2022.

Temos observado e advertido em manifestações pretéritas, a partir do regime legal e das modalidades de transação tributária implementadas, que o instituto negocial, recentemente inaugurado no Direito brasileiro, representa, por si, um avanço muito importante para o fortalecimento de um modelo de jurisdição plural (multiportas), representando uma ruptura com a tradição fiscalista ortodoxa, fortemente arraigada ao princípio da estrita legalidade e à ideia de plena vinculação administrativa do lançamento.

Após cinco anos da implementação da lei federal de transação tributária, que revelou e consolidou um modelo consensual muito significativo em termos de incremento arrecadatório, já sucederam transformações normativas bastante profundas. A própria postura institucional da administração tributária vem sinalizando um aprendizado constante, a partir de interlocuções mais francas e abertas com os contribuintes.

Ao mesmo tempo, algumas vertentes da transação tributária somente avançaram a partir de externalidades não confessadas, a exemplo de conquistas na transação tributária no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica, impulsionada pela derrubada no voto de qualidade no contencioso administrativo.

É hora de avançar no debate mais profundo a respeito dos mecanismos de prevenção e resolução de conflitos em matéria tributária, a fim de que as iniciativas atuais não resultem ofuscadas como uma política meramente transitória, efêmera e oportunista, apenas com propósitos arrecadatórios, sem maior preocupação com a participação efetiva e democrática dos contribuintes na condução da boa arrecadação.


Top