Fonte: Jota
Por Jamile Racanicci
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, à meia-noite da última segunda-feira (17/8) em sessão virtual, três julgamentos centrais à guerra fiscal de ICMS. Em dois deles, o STF permitiu o estorno de créditos de ICMS oriundos de incentivos fiscais irregulares e, no terceiro, manteve a exigência de unanimidade no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para a concessão de isenções.
Entretanto, a disputa sobre a validade dos créditos gerados por incentivos fiscais irregulares foi resolvida em grande medida pelo Congresso ao editar a lei complementar 160/2017. Quanto à exigência de unanimidade no Confaz, em vigor desde 1975, os estados ainda podem buscar a via legislativa para tentar reduzir o quórum de aprovação de isenções.
Para além das disputas judiciais, para solucionar a guerra fiscal os secretários pretendem investir na reforma tributária. Isso porque a concessão de incentivos perde sentido ao inverter a incidência tributária da origem, onde está o produtor do bem ou serviço, para o destino, onde está o consumidor.
Se a incidência do tributo não ocorre onde está situado o estabelecimento, a redução da carga tributária não servirá mais de critério para a escolha do local em que as empresas sediarão os empreendimentos. Assim, a guerra fiscal seria solucionada porque os estados não ofereceriam isenções a fim de atrair empresas para seus territórios.
Ao unificar PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS para criar um IVA único nacional, a PEC 45/2019 prevê a incidência do novo tributo no destino, onde estão os compradores dos bens e serviços. A proposta idealizada pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) foi escolhida como base para os secretários estaduais de Fazenda elaborarem um texto próprio de reforma tributária.
Em deliberação unânime no Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz), os secretários aprovaram um texto que aproveita a incidência do IVA no destino e altera alguns pontos da PEC 45/2019 que geravam resistência, como o fim da Zona Franca de Manaus. A proposta dos estados também tira a União do comitê gestor do IVA e cria um Fundo de Desenvolvimento Regional para fomentar investimentos em infraestrutura nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
O texto do Comsefaz, que recebeu o aval de todos os secretários estaduais em votação no ano passado, foi apresentado como emenda à PEC 45 formulada pelo deputado Herculano Passos (MDB-SP). Fica a cargo do relator da PEC, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), acatar ou rejeitar a emenda.
Créditos irregulares e guerra fiscal
Em dois julgamentos em sessão virtual, o STF permitiu que o estado de destino, onde se encontra o adquirente da mercadoria, faça o estorno de créditos de ICMS oriundos de incentivos fiscais irregulares concedidos pelo estado de origem à revelia do Confaz. Como a etapa anterior foi desonerada devido ao benefício fiscal, o estado de destino impede o contribuinte adquirente de abater o montante integral do crédito.
A medida foi autorizada pelo STF ao julgar o RE 628.075, por maioria de seis votos a três, e a ADI 3692, por sete votos a três.
Entretanto, o Congresso regularizou os incentivos fiscais unilaterais concedidos até 2017 ao aprovar a lei complementar 160/2017. Para receber a anistia, os estados devem registrar os benefícios no Confaz e editar leis estaduais dispondo sobre eles.
Nesse sentido, interlocutores próximos aos secretários estaduais de Fazenda avaliam que as disputas judiciais sobre o cancelamento de créditos perderam a relevância após a anistia chancelada pelo Legislativo, porque os créditos decorrentes de incentivos unilaterais já foram regularizados.
No próprio voto vencedor no RE 628.075 o ministro Gilmar Mendes salientou que, apesar de o STF considerar o estorno de créditos constitucional, deve ser respeitada a legislação que tenha autorizado expressamente os créditos irregulares.
Ainda, Mendes definiu no voto que a decisão no recurso com repercussão geral reconhecida só produziria efeitos a partir da data do julgamento pelo STF. “É que os valores discutidos na presente ação são bilionários, o que pode levar, de um lado, uma empresa à falência ou, de outro, ao aumento do déficit público nas já combalidas finanças estaduais”, justificou.
Além disso, de acordo com um interlocutor próximo ao Comsefaz, após 2017 os estados têm dado preferência a incentivos fiscais que reduzem a alíquota até o patamar de 12%, que não exigem aval do Confaz.
Unanimidade no Confaz
Em outro processo relevante concluído na noite da segunda-feira, o STF preservou a exigência de unanimidade no Confaz para a aprovação de benefícios fiscais. O plenário julgou improcedente a ADPF 198, que questionava o dispositivo que criou a regra da unanimidade na lei complementar 24/1975 .
Seis ministros avaliaram que exigir a anuência de todos os estados para a aprovação de isenções ajuda a combater a guerra fiscal, que enfraquece o pacto federativo e compromete a arrecadação estadual.
Um interlocutor próximo ao Comsefaz, porém, avaliou que a regra da unanimidade – editada durante a ditadura militar – compromete o princípio democrático por dar poder de veto a estados como São Paulo, que não precisam de incentivos fiscais para atrair empreendimentos. Na visão dele, a unanimidade dificulta há mais de 40 anos a aprovação de regimes fiscais diferenciados para regiões com menos infraestrutura e mercado consumidor, que precisam de tratamento tributário diferenciado.
Apesar da derrota no STF, os estados interessados em reduzir o quórum para aprovação de incentivos podem articular no Congresso a derrubada da exigência de unanimidade.
O PLS 407/2015, por exemplo, de autoria do senador Hélio José (PSD-DF), permite a concessão de benefícios com aval de mais de dois terços das unidades federativas. Já as revogações, segundo o PLS, passariam a depender de aprovação de três quintos dos representantes estaduais.