1. Análise crítica
Quando
se imaginava que o assunto em questão estava resolvido, por força da decisão do
Supremo Tribunal Federal centrada no Acórdão de Repercussão Geral RE 574.706,
ela retorna com toda a carga possível, diante da Solução de Consulta Interna da
Coordenação Geral do Sistema de Tributação da Receita Federal, publicada no dia
23 de outubro.
Com
efeito, a Receita Federal divulgou a Solução de Consulta Interna COSIT 13 com o
seguinte propósito: orientar os agentes (contribuintes e agentes fiscais) de
que forma devem ser cumpridas as decisões judiciais transitadas em julgado
sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS.
A
aludida Solução de Consulta apresenta duas orientações centrais:
a) o montante a ser excluído da base de
cálculo mensal da contribuição é o valor mensal do ICMS a recolher, conforme o
entendimento majoritário firmado no julgamento do Recurso Extraordinário nº
574.706/PR, pelo Supremo Tribunal Federal;
b) considerando que na determinação da
Contribuição para o PIS/Pasep do período a pessoa jurídica apura e escritura de
forma segregada cada base de cálculo mensal, conforme o Código de Situação
tributária (CST) previsto na legislação da contribuição, faz-se necessário que
seja segregado o montante mensal do ICMS a recolher, para fins de se
identificar a parcela do ICMS a se excluir em cada uma das bases de cálculo
mensal da contribuição;
c) ...
São duas
mudanças profundas. A primeira com a conclusão de que o valor da exclusão da
base de cálculo do PIS/COFINS fica limitado ao valor do ICMS a ser recolhido. A
expectativa era que essa exclusão tomasse o valor do ICMS constante da nota
fiscal de venda da mercadoria, que corresponde à receita bruta tributada. A
segunda centrada na determinação do “rateio” do ICMS a ser recolhido no mês
entre as diversas modalidades de tributação do PIS/COFINS, a fim de ser
eliminado, por exemplo, da exclusão, o valor correspondente às mercadorias
tributadas no PIS/COFINS à alíquota zero, a exemplo dos insumos e produtos
agropecuários. Neste contexto, a restrição levantada aparenta ser correta desde
que tenha havido a incidência do ICMS nessas operações e a não tributação no
PIS/COFINS.
Quanto à
primeira restrição (limitação ao “valor do ICMS a ser recolhido”), há vários
elementos que podem ser levantados contra essa ousada limitação.
Deveras,
em primeiro lugar, não há lacuna no RE 574.706 nessa matéria, uma vez que essa
questão foi exaustivamente avaliada no julgamento do Supremo Tribunal Federal,
constando do Acórdão centrado no voto da Ministra Relatora – Carmem Lúcia –,
que foi acompanhado pela maioria, os seguintes registros:
7. Considerando apenas o disposto no
art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, pode-se ter a seguinte
cadeia de incidência do ICMS de determinada mercadoria: [...]
Desse quadro é possível extrair que,
conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo
contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou
seja, parte do valor do ICMS destacado na “fatura” é aproveitado pelo
contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior,
em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não
constitui receita do contribuinte, logo ainda que, contabilmente, seja
escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento
para fins de apuração da base de cálculo das contribuições.
Portanto, ainda que não no mesmo
momento, o valor do ICMS tem como destinatário fiscal a Fazenda Pública, para a
qual será transferido.
9. Toda essa digressão sobre a forma de
apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não
cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda
a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento
aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a
base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS.
Enfatize-se que o ICMS incide sobre todo
o valor da operação, pelo que o regime de compensação importa na circunstância
de, em algum momento da cadeia de operações, somente haver saldo a pagar do
tributo se a venda for realizada em montante superior ao da aquisição e na
medida dessa mais valia, ou seja, é indeterminável até se efetivar a operação,
afastando-se, pois, da composição do custo, devendo ser excluído da base de
cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
Contudo, é inegável que o ICMS respeita
a todo o processo e o contribuinte não inclui como receita ou faturamento o que
ele haverá de repassar à Fazenda Pública.
10. Com esses fundamentos, concluo que o
valor correspondente ao ICMS não pode ser validamente incluído na base de
cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
Vê-se,
portanto, que a Ministra Carmen Lúcia, em sentido diametralmente contrário ao
defendido pela indigitada Solução de Consulta, deixa claro que o ICMS a ser
excluído é o constante da base de cálculo do PIS e da COFINS, e não apenas o
valor (ou saldo) desse imposto a ser recolhido. Isto porque, na correta visão
da Ministra Relatora, “todo o ICMS” acaba sendo transferido aos Estados, o que
impede a sua inclusão na base de cálculo das aludidas contribuições sociais.
À
evidência, não é necessário agregar razões jurídicas ao voto da Ministra
Relatora, porquanto suas ponderações têm rigorosa avaliação técnica da
estrutura dos tributos envolvidos na questão.
Todavia, como a questionada Solução de Consulta exige, por cautela,
observância pelos departamentos fiscais das empresas, revela-se oportuno relembrar
o secular tratamento contábil aplicado ao ICMS.
No
ponto, pela sua força didática, vejam-se as lições do mestre Gustavo Pedro de
Oliveira (Contabilidade Tributária, Editora Saraiva, pp. 124/125)
Os incidentes sobre o valor agregado, ou
valor acrescentado, tributam cada fase do processo produtivo. O valor
adicionado de uma empresa representa quanto de valor ela agrega aos insumos que
adquire em um determinado período, obtidos pela diferença entre as vendas e o
total dos insumos adquiridos de terceiros (matérias-primas, mão-de-obra). Esse
valor será igual à soma de toda a remuneração dos esforços consumidos nas
atividades da empresa.
Nesse grupo, classificam-se: o Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) e os tributos incidentes sobre a folha de salário,
conforme serão estudados a seguir. [...]
O ICMS está regido pela
não-cumulatividade (ART. 155, § 2°, inciso I, CF), compensando-se o que for
devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de
serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado
ou pelo Distrito Federal.
Dessa forma, um contribuinte – ao
adquirir uma mercadoria para revender – terá incluído em seu valor total o ICMS
pago ao fornecedor. Por ocasião da venda dessa mercadoria, tal contribuinte
deverá cobrar de seu cliente o ICMS com base no valor da venda, incluindo-o no
valor total. No final do período, o imposto a ser recolhido deverá ser
calculado pela diferença entre o valor incidente no momento da venda e aquele
pago ao fornecedor da aquisição para determinar o saldo a pagar (saldo devedor)
ou o saldo a ser estornado nos próximos períodos (saldo credor). (...)
Considere o seguinte exemplo:
Nota
Fiscal
|
Dados
|
Compra (R$)
|
Venda (R$)
|
Valor
Total da Nota Fiscal
ICMS
(18,0%)
|
900,00
|
1.350,00
|
162,00
|
243,00
|
ICMS a
recolher 243,00 - 162,00)
|
81,00
|
|
Essa empresa, ao registrar a nota fiscal
referente à compra das mercadorias para revenda em seu Livro de Entradas,
credita-se do ICMS pago no valor de R$ 162,00. No momento da revenda dessas
mesmas mercadorias, o contribuinte emitirá uma nota fiscal de saída com um
valor de ICMS destacado no valor de R$ 243,00, sendo que essa nota fiscal
deverá ser registrada no Livro de Registro de Saída. Dessa forma, ao confrontar
no Livro de Apuração de ICMS o débito de R$ 243,00 pela venda efetuada com
crédito de R$ 162,00 referente à apuração anterior de compra, o saldo a
recolher (devedor) registrado será de R$ 81,00.
O mestre
citado foi preciso nas avaliações contábeis. Em complemento, pode-se anotar não
haver dúvida de que a pessoa, realmente, alcançada pelo ICMS é o consumidor
final. Não é o comerciante ou o industrial. Por isso, corretamente, o autor
citado diz que “um contribuinte – ao
adquirir uma mercadoria para revender – terá incluído em seu valor total o ICMS
pago ao fornecedor”.
Essa
também é a percepção dos autores do Manual de Contabilidade das Sociedades por
Ações (Aplicável às demais Sociedades), dos professores Sérgio de Iudícibus,
Eliseu Martins, e Ernesto Rubens Gelbcke, editado pela Atlas, Sétima Edição, p.
364:
b)
O ICMS COMO DEDUÇÃO DAS VENDAS
O ICMS é um imposto incidente sobre o
valor agregado em cada etapa do processo de industrialização e comercialização
da mercadoria, até chegar ao consumidor final. O valor do imposto a ser pago
pelas empresas é representado pela diferença entre o imposto incidente nas
vendas e o imposto pago na aquisição das mercadorias que integram o processo
produtivo, ou para serem revendidas. (destaque acrescido)
Segundo
os mestres citados, o “ICMS pago na aquisição das mercadorias”, que integram o
processo produtivo ou aquelas destinadas à venda, deve ser contabilizado na
conta “Impostos a Recuperar ICMS”.
Na
realidade, o ICMS pago na aquisição da mercadoria ou do insumo, como genuíno
direito, transforma-se em “moeda” para o pagamento do ICMS apurado na operação
de venda. Dessa forma, o ICMS apurado na operação de revenda da mercadoria é
liquidado com duas “moedas”: o crédito do ICMS pago na entrada da mercadoria e
o saldo liquidado por moeda corrente.
Ora, se
o ICMS incidente na operação de aquisição da mercadoria é pago pelo adquirente,
tal valor só pode ter uma destinação: ser utilizado para quitar o ICMS da
apuração de venda. O encontro dá-se entre contas patrimoniais – conta do
passivo do ICMS a recolher menos conta do ativo do ICMS a compensar.
Não há,
portanto, redução da despesa do ICMS correspondente à operação de venda. E deve
ser assim porque o ICMS pago na aquisição não foi apropriado como custo. Foi
recebido como genuíno direito.
Dessa
forma, o ICMS sobre as vendas (conta de despesas) mantém-se íntegro no valor
apurado neste ato. O ICMS pago na
aquisição, não é demais reiterar, é utilizado como meio de pagamento e não como
valor redutor da despesa com ICMS.
Essa
visão contábil, como não poderia ser diferente, está presente na lei que
disciplina essa matéria.
Com
efeito, modernamente, o ICMS incidente nas operações de vendas não é registrado
como despesas tributárias, mas, sim, em conta redutora da receita bruta, no
exato sentido de gravar que valor não tem o signo de receita, como assim dispõe
o art. 12 do Decreto-Lei 1.598/77, com a redação do art. 2º da Lei nº
12.973/2014:
“Art. 12. A receita bruta compreende:
I - o produto da venda de bens nas
operações de conta própria;
II - o preço da prestação de serviços em
geral;
III - o resultado auferido nas operações
de conta alheia; e
IV - as receitas da atividade ou objeto
principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III.
§ 1o
A receita líquida será a receita bruta diminuída de:
I - devoluções e vendas canceladas;
II - descontos concedidos
incondicionalmente;
III
- tributos sobre ela incidentes; e
IV - valores decorrentes do ajuste a
valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei no
6.404, de 15 de dezembro de 1976, das operações vinculadas à receita bruta.
Como
anteriormente ressalvado, a presente Nota, em lugar de aprofundar o exame
jurídico da matéria, como normalmente se faz, escolheu o campo contábil para a
avaliação crítica da Solução de Consulta baixada pela Receita Federal. Nessa
visão, fica evidente que a restrição criada pelo indigitado ato normativo (a
Consulta vincula o juízo dos Auditores Fiscais), além dos impedimentos
jurídicos indicados no RE 574.706, não passa pelo crivo contábil.
2. Das conclusões
Diante
do acima exposto, a despeito de haver fundadas razões para encaminhar
questionamento contra a Solução de Consulta, a nossa orientação é no sentido da
sua observância, postergando o seu enfrentamento para um futuro muito próximo,
a não ser para as empresas que estejam com dificuldade de caixa, cujo
enfrentamento imediato da indevida restrição ao direito da exclusão do ICMS da
base de cálculo do PIS/COFINS seja imperativo.
Se
necessário, a discussão poderá ocorrer: (i) em sede administrativa, quando do
enfrentamento da glosa de créditos pleiteados em DCOMP (créditos decorrentes de
decisão judicial transitada em julgada); (ii) judicialmente, mediante a
propositura de ação judicial para afastar as restrições da Solução de Consulta,
inclusive em caráter preventivo; (iii) judicialmente, na oportunidade do
levantamento de eventuais depósitos vinculados a processo judicial, realizado
no curso de ação buscando o direito de exclusão do ICMS da base de cálculo do
PIS e da Cofins.
Ferreira e Ferreira Advocacia
Antonio Airton Ferreira