Fonte: Valor Econômico
A transação tributária federal entra em uma nova e relevante etapa focada na
cobrança de créditos judicializados de alto impacto econômico no contexto do
Programa de Transação Integral (PTI). Inaugurando parâmetros aos até então
existentes – que levavam em consideração uma tese específica ou a capacidade de
pagamento do contribuinte -, essa transação é baseada no Potencial Razoável de
Recuperação do Crédito Judicializado (PRJ) e considerará o custo de oportunidade a
partir do grau de indeterminação do resultado e tempo das ações judiciais.
Ou seja, contribuintes com grandes disputas e independentemente de sua
capacidade econômico-financeira poderão submeter proposta de transação para
liquidar suas dívidas demonstrando o referido custo de oportunidade. Mas o
governo federal quer começar a olhar para esses grandes casos aos poucos e,
portanto, está delimitando sua oferta.
Esse primeiro recorte consta de portaria inaugural que esteve sob consulta pública
até 31 de janeiro e abrangerá propostas apresentadas à Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional (PGFN) entre 3 de março e 30 de abril. Seu foco são dívidas
inscritas de cifras maiores que R$ 100 milhões, objeto de ação antiexacional e
garantidas ou suspensas por decisão judicial.
O debate de cada pedido do contribuinte à PGFN será centrado na avaliação
combinada de cinco critérios: grau de indeterminação do resultado das ações
judiciais, temporalidade da discussão, tempo de suspensão de exigibilidade por
decisão judicial, perspectiva de êxito das estratégias judiciais, e custo da demanda e
da cobrança administrativa e judicial; sendo que a leitura da portaria indica a
atribuição de maior ênfase ao primeiro critério, que é a indeterminação do resultado
e respectiva prognose das ações judiciais.
Esse programa tem o potencial de atrair descontos de até 65% do total da dívida
(preservado o principal), parcelamento igual ou escalonado em até dez anos, uso
precatório e direitos creditórios líquidos e certos, bem como substituição ou
liberação de garantias, mas ainda falta clareza em como esses fatores combinados
resultarão em benefícios isonômicos a contribuintes na mesma situação. Essa
preocupação me fez sugerir à PGFN a inclusão de alguns balizadores dentro de cada
um desses cinco quesitos. Por exemplo, no quesito temporalidade, segregar-se
faixas de tempo de curso da ação e, conforme mais longo, maiores os descontos.
Essa oportunidade do PTI, assim como a regra da transação, entretanto, segue não
sendo atraente para casos que contam com depósitos judiciais, o que é um
desestímulo que precisa ser endereçado pelo governo no contexto da transação.
Essa é uma das considerações que submeti à PGFN em resposta à consulta pública,
além de ter endereçado a percepção de que não haveria necessidade de uma
portaria que trouxesse limitadores outros além do valor e do respeito aos
balizadores legais e infralegais. Por isso, sugeri a supressão dos requisitos de que a
dívida estivesse inscrita, judicializada com suspensão e/ou garantida e a fixação de
marco temporal inicial e final. Penso que a transação dessa natureza deveria remanescer aberta de forma perene, tal qual a possibilidade de transação individual,
e não ser faseada.
Por outro lado, seria benéfico nela se trazer: (i) parâmetros mais objetivos do que
seria o “custo de oportunidade” tratado no artigo 3º, da Portaria nº 1.383/24 para fins
de aferição do PRJ e, consequentemente, da dosimetria dos benefícios; (ii)
esclarecimentos de artigos que tal como postos na minuta original dão margem para
dúvidas, tal como a forma de apresentação da prognose da discussão judicial e se o
patamar de R$ 100 milhões diz respeito a cada inscrição ou ao processo; (iii)
diretrizes também para redução dos honorários da ação que se busca encerrar com
a transação, o que costuma ser bastante oneroso ao contribuinte sobretudo ao
desistir de ações de grande monta, como é o caso, e não pode ser ignorado como
fator que também contribui para a decisão de se propor ou não esse tipo de
transação; (iv) a necessidade de motivação do indeferimento do pedido de transação
apresentado pelo contribuinte e da contraproposta fazendária; (v) a possibilidade de
recurso contra referido indeferimento; (vi) e a possibilidade de uso de prejuízo fiscal
e base negativa, a ser avaliada na hipótese de contribuintes com baixa capacidade
de pagamento ou, alternativamente, pensar-se na revogação dessa condição
prevista no artigo 36, I, da Portaria PGFN nº 6.757, alinhando a postura de PGFN e
Receita Federal quanto à aceitação de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL na
prática.
Finalmente, uma questão que venho chamando atenção nos acordos de transação é
a exigência, a meu ver ilegal, da qualificação de sócios, controladores,
administradores, gestores, e empresas que integram o mesmo grupo econômico,
forçando a assunção de uma responsabilidade sobre a dívida que só poderia se dar
se reconhecida previamente e em definitivo pelos meios adequados e nos termos da
lei, de modo que sugeri que essa exigência fosse suprimida ou, ao menos,
condicionada a apenas essas situações.
Enfim, trata-se de mais um salutar instrumento estratégico de atuação da PGFN para
abreviar e reduzir litígios, bem como ampliar a arrecadação no tempo. Observamos
que esse exercício estratégico se intensificou desde 2015 com iniciativas como o
Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos (RDCC) e vem se demonstrando muito
bem-sucedido e um modelo para outros entes.