Fonte: Jota.com
Por Jamile Racanicci
Para evitar o Judiciário durante a pandemia do coronavírus, advogados consultados pelo JOTA relataram que as empresas estão mais dispostas a negociar quebras contratuais entre si ou a aderir aos métodos alternativos de resolução de conflitos, como mediação ou arbitragem. Como a pandemia da Covid-19 afetou diversos setores econômicos em toda a cadeia de produção, por enquanto as empresas tentam fazer acordos comerciais para permitir a sobrevivência de todos antes de acionar a cláusula arbitral. Assim, os advogados esperam um aumento no número de procedimentos arbitrais futuramente, nos casos em que não houver acordo.
O advogado Diogo Ciuffo, sócio de Contencioso e Arbitragem do escritório Bichara Advogados, observou que as partes estão mais abertas a aderir à mediação ou a procurar uma solução consensual sem instaurar um litígio devido a uma percepção de que um fator externo provocou prejuízos à relação contratual. “Há um sentimento de que alguém tem que pagar a conta. Não é culpa nem do contratante, nem do contratado. Vejo boa vontade de todos os lados para negociar”, disse.
Segundo Ciuffo, os acordos são mais comuns em setores que registraram perdas em cascata, a exemplo de locação de shoppings centers e energia elétrica. “Os locadores chegaram a judicializar para pedir desconto do contrato porque os shoppings estavam fechados. Em determinado momento os shoppings entenderam que seria uma cascata de perdas e fizeram acordos para reduzir 30% ou mais no aluguel. A judicialização ficou muito abaixo do que poderia ter sido”, projetou.
Nesse sentido o advogado Flávio Spaccaquerche, sócio de Contencioso e Arbitragem do escritório Mattos Filho, avalia que o aumento no número de arbitragens e mediações deve se acentuar nos próximos meses, já que por ora as partes tentam negociar os conflitos decorrentes da pandemia entre si antes de acionar a cláusula arbitral. “O que pode acontecer é que a empresa tenha menos fôlego para aguentar negociações e não veja outra saída senão entrar logo na arbitragem”, ponderou.
O Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá (CAM-CCBC), cujo valor em disputa por processo varia em média entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões, registrou aumento de 9% no número de procedimentos arbitrais em relação a 2019. No período de janeiro a junho deste ano, foram iniciados 48 processos, ao passo que no primeiro semestre do ano passado o número de novos procedimentos foi de 44.
O CAM-CCBC suspendeu protocolos físicos a partir de 16 de março, quando foram aprovadas regras para a condução eletrônica em home office dos mais de 300 processos em andamento. A partir desta data até 17 de julho foram registrados 36 novos procedimentos arbitrais. Quanto à mediação, no período foram iniciados quatro procedimentos, contra apenas um nos mesmos quatro meses de 2019.
Para atrair o interesse pelos métodos alternativos durante a pandemia, a Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (Cames) fez uma parceria com a Caixa de Assistência da Advocacia do Estado do Rio de Janeiro (Caarj) para facilitar que advogados levem os conflitos que se encontram no Judiciário para a mediação ou a arbitragem. Podem ser migrados processos em matérias como Direito Civil, de Família, Trabalhista e Empresarial.
Audiências de arbitragem por videoconferência
Em vez de as partes entregarem os documentos em papel, no CAM-CCBC e na Cames as manifestações podem ser incluídas em plataforma online protegida por criptografia, que já era usada em alguns casos antes da pandemia. Ainda, as câmaras passaram a fornecer suporte tecnológico para a realização de audiências por videoconferência.
Na Cames, as audiências remotas passaram a funcionar com a presença de dois mediadores e um responsável pela infraestrutura tecnológica. “A ideia de ter dois mediadores é: se um tiver problema de sinal, internet ou queda de energia, o outro vai continuar ali”, explicou o sócio da câmara Marcos Couto.
O advogado Fernando Marcondes, sócio do escritório L.O. Baptista, atuou em audiências virtuais como defesa e como árbitro. Segundo ele, a maior preocupação dos participantes é como garantir que as testemunhas não estão sendo assessoradas pela defesa da outra parte, o que é proibido na arbitragem. Outros problemas são o fato de a equipe de advogados não ficar reunida e a dificuldade de prender a atenção dos árbitros.
“A gente perde um pouco o feeling. Às vezes interrogando uma testemunha você vai medindo a temperatura dos árbitros. Se você vê que ele começa a se distrair, é porque você está indo na direção errada. Na virtual você não consegue ter essa percepção”, disse.
Apesar das dificuldades, Spaccaquerche ressaltou que a videoconferência proporciona vantagens em relação aos encontros presenciais. “Isso não tira a efetividade de se fazer a audiência virtual. Pode não ser o ideal, mas é bem mais barata. E sem gastar o tempo de deslocamento as pessoas têm mais disponibilidade de horários. É melhor fazer a audiência virtual agora do que o cliente ficar esperando sabe-se lá até quando”, disse.
Para a secretária geral do CAM-CCBC, Patrícia Kobayashi, as audiências por videoconferência devem continuar mesmo após a pandemia. “Algumas vão passar a ser realizadas na plataforma virtual justamente em razão da dificuldade de todo mundo se locomover para um único espaço, estar lá na hora da audiência e se dedicar àquela questão por longas horas. Acho que a gente não vai deixar de ter audiências presenciais porque é um momento muito importante do procedimento, mas uma parte delas certamente vai passar a ser feita virtualmente”, avaliou.
No mesmo sentido, Marcondes enfatizou que a pandemia mostrou que a realização remota das audiências funciona tranquilamente. “Acho que muitas audiências serão virtuais, principalmente de casos internacionais com gente na Europa, na América, na Ásia. Essa coisa de fazer viagem com 30 pessoas custa uma fortuna. Não imagino mais um empresário se dispondo a gastar R$ 100 mil em passagem e hotel depois de ver que dá para fazer a audiência de outro jeito”, concluiu.