Fonte: Valor Econômico
Por Joice Bacelo
Empresa em recuperação judicial pode ser dispensada de apresentar as certidões de regularidade fiscal e trabalhista para contratar com o poder público. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) se posicionou desta forma ao julgar, recentemente, pedido de uma fabricante de álcool em gel.
A decisão, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, flexibiliza uma regra que consta, de forma taxativa, na Lei nº 11.101, de 2005, que regula as falências e os processos de recuperação judicial. Segundo o inciso II do artigo 52, o juiz pode determinar a dispensa de certidões negativas para que o devedor exerça as suas atividades, “exceto para contratação com o poder público”.
Relator do caso, o desembargador Gilson Miranda, afirma não se tratar de “uma dispensa geral e irrestrita”. Pode haver abrandamento da regra, acrescenta, quando isso for necessário para o soerguimento da companhia que está em crise. “Se justifica para permitir a continuidade das atividades e prestígio ao princípio da preservação da empresa”, diz o desembargador no seu voto (processo nº 2215483-91.2019.8.26.0000).
A decisão, unânime, reforma sentença proferida na comarca de Pederneiras. Ao negar o pedido da empresa, a primeira instância do Judiciário levou em consideração, além da lei, o fato de que a dispensa das certidões poderia implicar na quebra de concorrência entre os participantes, já que por não recolher tributos estaria em vantagem em relação aos demais.
Representante da companhia no caso, o advogado Ricardo Siqueira, sócio do escritório RSSA, chama a atenção, no entanto, que a empresa não ficará desobrigada do recolhimento de impostos com a decisão que autoriza a dispensa das certidões. “São coisas diferentes”, afirma. “Não dá para tratar os diferentes de forma igual.”
A fabricante de álcool em gel buscava a autorização do Judiciário para poder fechar contrato de fornecimento do produto com o Exército brasileiro. “Precisamos gerar oportunidade de negócio para as empresas e não colocar impedimento, mais do que nunca. Permitir que a empresa se recupere é permitir que ela volte a pagar tributos, volte a gerar renda, que toda a roda continue girando ou volte a girar”, diz o advogado.
Uma decisão semelhante a de agora já havia sido proferida pela mesma 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP no ano passado. Os desembargadores afirmaram, na ocasião, tratar-se de “medida razoável” e “apta a auxiliar no soerguimento da empresa em recuperação”. Esse caso envolveu uma fabricante de concreto, cuja a atividade era dirigida a serviços específicos para o poder público (processo nº 2069058-95.2019.8.26.0000).
Há também decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto. Em uma delas, no ano de 2018, a 1ª Turma decidiu que empresa em recuperação judicial pode participar de licitação se demonstrar, na fase de habilitação, ter viabilidade econômica (AREsp 309867).
Os ministros, nesse caso, levaram em conta a Lei nº 11.101 e a Lei nº 8.666, de 1993. “A interpretação sistemática dos dispositivos leva à conclusão de que é possível uma ponderação equilibrada dos princípios nelas contidos, pois a preservação da empresa, de sua função social e do estímulo à atividade econômica atendem também ao interesse da coletividade, uma vez que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores”, disse o relator do caso, ministro Gurgel de Faria, em seu voto, ao julgar a questão.