Fonte: Jota
Por Jamile Racanicci
Embora o governo federal venha defendendo a criação de um IVA dual por acreditar que assim evitaria um desgaste na federação, tanto os estados quanto os municípios têm ressalvas à proposta de unificar o ICMS ao ISS – impostos que, respectivamente, são de competência estadual e municipal.
De um lado, as grandes cidades querem manter a gestão do ISS, por afirmarem que a arrecadação vinha crescendo antes da pandemia do coronavírus e teve a menor queda durante a crise sanitária. Já os estados preferem aproveitar o raro consenso que se formou entre os secretários estaduais de Fazenda em prol de um IVA único nacional.
A ideia do Ministério da Economia é criar um IVA federal a partir da junção do PIS à Cofins para criar a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), conforme o projeto de lei 3.887/2020, enviado ao Congresso na semana passada. O segundo IVA, nos planos da pasta, seria formado pela unificação dos impostos estaduais e municipais que incidem sobre o consumo – isto é, para se somar ao IVA federal seria criado um segundo IVA que resulta da união de ICMS e ISS. Quanto ao IPI, a Economia pretende transformar o tributo em uma espécie de Imposto Seletivo (IS), incidente sobre bens que causam prejuízos sistêmicos à sociedade.
Municípios: ISS cresce, ICMS cai
O presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) e secretário de Finanças de Curitiba (PR), Vitor Puppi, afirmou que os estados pretendem se apropriar da arrecadação do ISS porque o ICMS, que incide sobre mercadorias, está ficando obsoleto. “É consenso que os estados tentam avançar na base tributária dos municípios. O ISS é o tributo que mais cresce, enquanto a base do ICMS foi corroída. Eles mesmos afirmam isso”, disse.
Contrário à unificação, Puppi defende uma simplificação do ISS que envolveria a extinção da lista de serviços que hoje consta na lei complementar do imposto, para eliminar a necessidade de que um item conste na lista para ser tributado. Ainda, a Abrasf sugere a aplicação de uma alíquota única em cada município, que valeria para todos os serviços.
Por fim, o secretário propõe que para todos os serviços o ISS seja cobrado no município de destino, onde está o consumidor, e não mais na origem, onde está o prestador. Hoje a incidência no destino se restringe a alguns serviços definidos em lei complementar, como planos de saúde e administração de cartões de crédito ou débito.
No mesmo sentido o presidente da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) e prefeito de Campinas (SP), Jonas Donizette, resiste à unificação do ICMS ao ISS principalmente com base nas projeções futuras de variação na arrecadação dos impostos. Segundo ele, a arrecadação do ISS tende a crescer e a do ICMS, a diminuir.
“O problema não é que a gente não quer colocar o assunto na mesa. A gente não quer que as pessoas tirem uma foto do momento e queiram fazer uma reforma de acordo com o que vemos hoje. O ICMS tende a diminuir. Se for juntar os dois impostos isso precisa ser considerado, senão a gente vai prejudicar o futuro das cidades”, disse.
O prefeito observou que, após conversas com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a FNP se mostrou mais aberta a um acordo pela unificação, desde que a distribuição dos recursos arrecadados priorize os municípios. Donizette também pontua que em grande medida são os municípios que arcam com os serviços públicos. “Se for fazer essa junção de impostos as cidades precisam ter um peso de acordo com o que o ISS representa. Se colocar em pé de igualdade, isso prejudica as prefeituras”, criticou.
Estados preferem IVA único nacional
Nem mesmo entre os estados a proposta do IVA dual tem a receptividade almejada pelo governo federal. Isso porque, após reuniões sucessivas para debater a reforma tributária ao longo de maior parte do ano de 2019, os secretários estaduais de Fazenda chegaram a um consenso em prol de uma reformulação mais ampla.
Reunidos no Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), os secretários entraram em acordo em torno da PEC 45/2019, que unifica PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. Os secretários elaboraram uma emenda à PEC 45/2019 que cria fundos de desenvolvimento regional para incentivar as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e retira a União do comitê gestor do IVA nacional, de forma que o novo imposto seria administrado apenas por estados e municípios.
Para demonstrar a união dos secretários, o Comsefaz aprovou a emenda por unanimidade. “Temos uma proposta aprovada que achamos muito mais consistente do que qualquer outra. Nada impede que o debate evolua, mas estamos firmes no IVA nacional”, afirmou o presidente do Comsefaz e secretário de Fazenda do Piauí, Rafael Fonteles.
Diante da recusa dos municípios em abrir mão do ISS, os secretários têm dialogado com entidades municipais para tentar amenizar a resistência. “Entendemos, é legítimo o receio, mas ocorre que temos que aprender com o restante do mundo. Não há diferenciação de bens e serviços. O IVA sobre consumo é sempre único”, afirmou.
Fim da diferenciação entre serviços e mercadorias
Estudiosos na área tributária criticam a divisão que o sistema atual estabelece entre serviços e mercadorias. O ideal seria, em uma reforma tributária, passar a tributar o valor agregado independentemente da operação.
Para o advogado Marcelo Jabour, professor na pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), tributar bens e serviços separadamente prejudica a base de cálculo de ambos os tributos. “Um tributo único sobre consumo, com base ampla de bens e serviços, garante que qualquer tecnologia nova que surja seja automaticamente tributada. Não precisa perder tempo discutindo se é serviço ou mercadoria, municipal ou estadual. Tributa e pronto”, argumentou.
Adicionalmente, o diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Nelson Machado lembra que o serviço só é tributável pelo ISS se estiver incluído na lista de serviços da lei complementar 116/2003. “Como nas últimas décadas os serviços têm se ampliado e sofisticado, tem quantidade grande de novos serviços que aparecem sem estar na lista e isso provoca um contencioso enorme, gera um baixo aproveitamento da base tributária”, avaliou.