Fonte: Jota
Por Flávia Maia e Jamile Racanicci
A proposta do Executivo de criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) apresentada nesta terça-feira (21/7) trouxe repercussões entre setores econômicos, entidades de classe e tributaristas. Fontes ouvidas pelo JOTA acreditam que, de uma forma geral, a sugestão trazida pelo governo federal ao Congresso foi tímida e não resolve efetivamente a complexidade tributária brasileira. Ao mesmo tempo, ressaltam que o projeto de lei do governo federal acena para um desejo dos poderes em fazer algum tipo de reforma tributária no Brasil.
Em relação à CBS, tributaristas comentam que a possibilidade de juntar o PIS e a Cofins não é uma inovação, e que qualquer tipo de simplificação do sistema brasileiro é bem-vindo. No entanto, em um primeiro momento, a junção resolve mais problemas operacionais enfrentados pelo governo federal do que propriamente faz um reforma tributária decisiva.
“Os verdadeiros objetivos foram mais de se resolver problemas que incomodavam demais o governo, como os contenciosos, a distorção que o lucro presumido acaba causando e ainda a necessidade de arrecadar mais, do que, efetivamente, se criar uma reforma mais revolucionária, mais modernizadora”, afirma a advogada Ana Monguilod, professora do Insper e diretora da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF).
Para Fernanda Sá Freire, sócia da área de tributário do escritório Machado Meyer, a estratégia de fatiar a reforma tributária é constante no Brasil. “Talvez exista uma perda de foco da reforma tributária para ter minis reformas tributárias. Quando você olha todas as reformas tributárias propostas no Brasil, é incrível que sempre se começa do máximo, com juntar os tributos federais, estaduais e municipais e acaba tendo reformas fatiadas”, analisa.
Gustavo Brigagão, sócio do Brigagão Duque-Estrada Advogados, acredita que a estratégia de fatiar a proposta de reforma tributária conforme o anunciado pode ser efetiva. “Aprovar uma reforma por lei ordinária é mais fácil do que por PEC. Além disso, a PEC 45 só trata de consumo. Se o Guedes conseguir reformar os tributos sobre renda, consumo e previdência na totalidade, vamos ter uma reforma mais ampla do que as sugeridas pela PEC 45 e 110”.
Na análise do presidente da Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), Rafael Fonteles, a apresentação do projeto do Executivo para o Congresso Nacional é um sinal de que a reforma tributária vai andar no Brasil. Para ele, embora o projeto apresentado nesta terça-feira (21/7) não seja o de interesse dos estados, que defendem a unificação de tributação nacional, ela é um indicativo da criação de uma ambiente reformista.
“Nós apoiamos uma reforma mais ampla, e o ministro Paulo Guedes disse que não iria se opor a isso. No encontro do Guedes com os representantes do Congresso, eles disseram que a proposta do governo federal vai ser acoplada à PEC 45, ou seja, vai ser votada uma reforma mais ampla, que é o que os estados defendem”, afirmou.
Críticas: mudanças tímidas
O diretor do departamento jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Helcio Honda, classificou a proposta como tímida e avaliou que a criação da CBS se assemelha à promessa feita por governos anteriores de unificar o PIS e a Cofins. “De forma geral, para a indústria não muda muito. O principal alcance é retirar bastante o contencioso da questão do conceito de insumos, sem dúvida, mas não é uma reforma ousada. É só o que a gente já sabia que ia acontecer”, criticou.
Nesse sentido o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), em nota à imprensa, afirmou que, por ser apresentada aos pedaços, a reforma do governo apenas repete erros de tentativas anteriores de alterar o sistema tributário. “Fragmentada, [a apresentação] prejudica a análise e traz críticas que seriam em tese mitigadas com outras partes da reforma”, lê-se.
A entidade salienta que um IVA federal com base ampla de créditos beneficia a indústria de cadeia longa, mas para o setor de serviços o mais importante seria promover a desoneração da folha. Para o Sindifisco, ao começar com a unificação de PIS e Cofins o governo vai atrair críticas de todos os lados e gerar desconfiança.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, também tem uma postura crítica em relação à proposta. Ele negou que a criação da CBS possa ser chamada de reforma tributária. “O governo poderia trazer uma reforma para distribuir melhor a carga tributária. Mas açodadamente, para dar vazão à crise fiscal, está propondo um aumento da carga tributária que atinge basicamente o setor de serviços, penalizando a classe média. No mundo todo se discutem impostos sobre os mais ricos, grandes fortunas, sistema financeiro… Isso o governo não faz”, criticou.
Setor de serviços: aumento da carga tributária
Entre as preocupações apresentadas por tributaristas e representantes do setor de serviços está a elevação da tributação de setores que prestam serviços à pessoa física, como escolas e hospitais, que não farão parte de uma cadeia geradora de créditos. O projeto de lei traz a alíquota de 12% para a CBS, sendo que, atualmente, as alíquotas combinadas de PIS e Cofins normalmente são de 3,65% e 9,25%, respectivamente sob suas sistemáticas cumulativa e não-cumulativa.
A mudança na tributação dos serviços gera tanta preocupação que deve ser um dos assuntos de uma videoconferência do ministro Paulo Guedes prevista na agenda desta quarta-feira (22/7) com mais de 20 entidades do setor, representativas de segmentos como bares, restaurantes, lojistas, varejo, veículos, drogarias, tecnologia da informação, saúde, turismo e escolas particulares.
Além de Guedes participarão da videoconferência o secretário da Receita Federal, José Tostes Neto, os assessores especiais Vanessa Canado e Guilherme Afif Domingos, o secretário especial de Produtividade e Competitividade, Carlos da Costa, e mais 26 integrantes da equipe econômica.
A Confederação Nacional da Saúde (CNSaúde) estima que a alíquota de tributos paga pelo setor sairá de 3,65% para 12% sem os possíveis descontos da cadeia. “O PL apresentado hoje é péssimo para o setor de saúde, e mesmo com as compensações o setor pagará mais. A maior parte de nossos insumos são de pessoal e não geram crédito. Essa é uma reforma para beneficiar a indústria, que tem cadeia longa e a maior parte dos custos é de insumos físicos”, defende Bruno Sobral de Carvalho, secretário executivo da CNSAúde.
A Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) também defende que a alteração proposta pelo governo federal é ruim para o setor. “Ou o governo não sabe fazer conta ou tem má-fé. Por essa proposta a mensalidade escolar vai aumentar 10%, porque a escola não tem cadeia produtiva, não se credita de nada. E no momento as escolas estão passando por muitas dificuldades”, justifica Ademar Batista Pereira, presidente da Fenep. Tanto a Fenep quanto a CNSaúde defendem alíquotas diferenciadas para o setor de saúde e de educação.
Já o presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), Sergio Paulo Gallindo, salientou que para o setor de tecnologia a desoneração da folha de pagamentos é mais importante para a manutenção de empregos. A entidade estima que serão gerados 303 mil novos postos de trabalho até 2025 com a manutenção da desoneração. “Com a reoneração, nos mesmos cinco anos a perda será de 97 mil empregos. O número pode parecer tímido, mas queremos reforçar a perda de oportunidade. Deixaremos de ter 400 mil empregos somente nos subsetores de software e serviços de TIC [tecnologia da informação e comunicação]. O impacto do fim desta política será devastador”.
Questionada sobre como o Ministério da Economia lidaria com a resistência do setor de serviços à proposta de unificação de tributos, a assessora especial do ministro da Economia Vanessa Canado afirmou que o setor se beneficiará da reforma tributária proposta pelo governo. Segundo ela, 60% das empresas do setor prestam serviços ao consumidor final e são optantes do Simples Nacional. A carga tributária do regime simplificado não será alterada pela criação da CBS.
Na sequência o secretário da Receita Federal, José Tostes Neto, afirmou que quem pagará a CBS é o consumidor final. “Em uma estrutura tributária como essa, sobre o valor agregado, independentemente do tipo de empresa e do setor o mecanismo de débito e crédito faz com que as empresas transfiram o imposto até o elo final da cadeia, que é o consumo”, disse.
Tostes argumentou ainda que o modelo da CBS permitirá que as empresas compradoras dos serviços tomem crédito sobre esta aquisição. No sistema atual, o crédito não é permitido e o tributo se torna um custo, o que aumenta o preço dos serviços. “As empresas de serviço que hoje estão no modelo cumulativo vão poder gerar crédito para seus clientes e fornecedores. Essa é uma vantagem inexistente hoje”, argumentou.
Por fim, Tostes lembrou que futuramente o governo pretende propor ao Congresso uma desoneração mais ampla da folha de pagamentos, o que atende a um dos principais pleitos do setor. “A folha é um componente importante da estrutura de custos”, disse. Segundo Tostes, além da desoneração, está nos planos do Executivo propor alterações no IPI e na tributação da renda.
Em resposta à argumentação do ministério, o tributarista Luiz Gustavo Bichara, sócio do escritório Bichara Advogados, afirmou que a CBS prejudicaria o setor de serviços apesar de o novo sistema permitir que o comprador tome créditos sobre o valor pago pelo prestador. “A premissa de que o custo será sempre repassado para o tomador do serviço é descolada da realidade. É claro que não vai dar para jogar isso no preço do serviço. Não há essa elasticidade no mais das vezes”, disse. “Isso quer dizer que os prestadores vão sofrer muito e vão depender sempre da interpretação do tomador dos serviços”.