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O que está em jogo no julgamento sobre isenção tributária para agrotóxicos no STF

Fonte: Jota.com
Por Hyndara Freitas

Nesta quarta-feira (19/2), o Supremo Tribunal Federal (STF) deve dar início a um julgamento de grande impacto para o setor agrícola. O plenário vai decidir se é constitucional a isenção de IPI e a redução no ICMS para agrotóxicos, num debate que envolve saúde pública, meio ambiente, política fiscal e acesso universal a alimentos.

A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5.553 foi ajuizada pelo PSOL em 2016, e tem como relator o ministro Edson Fachin. O partido questiona a constitucionalidade do Decreto 7.660/2011 e da primeira e terceira cláusulas do Convênio 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O Decreto 7.660/2011 instituiu a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), que determina a isenção do IPI para estes produtos.

Já o convênio do Confaz prevê desconto de 60% no ICMS, imposto recolhido pelos estados, para produtos como inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas e reguladores de crescimento para uso na agricultura.

Para o PSOL, esses benefícios ferem os princípios constitucionais do direito à saúde, ao meio ambiente equilibrado e afrontam o princípio da seletividade tributária, já que os incentivos fiscais só poderiam ser concedidos para produtos essenciais à vida – o que, segundo o partido, não é o caso dos agrotóxicos.

Em 2019, primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foram aprovados 503 novos registros de agrotóxicos no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), sob o comando da ministra Tereza Cristina (PSL).

De um lado, estão a União, a indústria de defensivos agrícolas e grandes produtores rurais, que pedem a manutenção da isenção do IPI e da redução da alíquota do ICMS aos agrotóxicos. O argumento central da Advocacia-Geral da União (AGU) é que estes benefícios fiscais possibilitam que os alimentos cheguem com preços menores ao consumidor final, destacando que não existe alternativa para produção de alimentos em grande escala que não preveja o uso de agrotóxicos. Destaca ainda que isso não incentiva o uso indiscriminado dos produtos porque há regras estritas para que eles possam ser utilizados.

“A concessão de benefícios fiscais do ICMS e do IPI em favor dos agrotóxicos, dentro da margem de discricionariedade dos Poderes Legislativo e Executivo na implementação de políticas fiscais e econômicas, tencionou justamente baratear a produção alimentícia nacional, a fim de proporcionar alimentos em valor mais acessível à grande maioria da população brasileira”, disse a AGU em manifestação enviada ao STF em julho de 2016.

De acordo com dados do Mapa, uma recomposição imediata dos custos tributários dos defensivos agrícolas que atualmente são isentos pode significar um impacto de R$ 12 bilhões por ano para os agricultores. Isso porque, de acordo com a pasta, os defensivos agrícolas passariam a significar parcela significativa no custo de produção em relação aos demais insumos, e a margem de lucro diminuiria para algumas culturas, que não teriam como absorver a elevação de custos. Esse valor representa quase 5% do Valor Bruto da Produção Agrícola, de acordo com o Mapa.

Entidades como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos Para Defesa Vegetal (Sindiveg), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), admitidas como amici curiae, endossam estes argumentos.

A CNA aponta que, caso não haja mais a redução no ICMS e isenção do IPI, os alimentos ficarão mais caros para a população. Atualmente, a cesta básica consome cerca de 43,4% do salário mínimo, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). De acordo com cálculos da entidade, sem estes benefícios tributários, a cesta básica representaria 50,8%.

Também segundo a CNA, em cálculo feito com base no ano de 2017, a ausência de desconto no ICMS para produtos fitossanitários geraria um aumento de 9,5% no valor do IPCA anual de 2017. “Sem o desconto do imposto, naquele ano, a inflação, que foi de 2,95% passaria a 3,3%”, afirma Rudy Ferraz, chefe da assessoria jurídica da entidade.

A entidade defende que a utilização de agrotóxicos é “rigorosamente regulado” pelos órgãos competentes, e que a isenção tributária não incentiva seu uso indiscriminado. “O registro de um defensivo passa por uma rigorosa análise antes de entrar no mercado, e a competência técnica da Anvisa, do Ibama e do Ministério da Agricultura faz com que o uso desses defensivos seja absolutamente regulado, sem qualquer impacto para a sociedade ou para os trabalhadores”.

Do outro lado, a Procuradoria-Geral da República (PGR), entidades do setor de saúde e da agricultura familiar argumentam que as isenções acabam por incentivar o uso excessivo de agrotóxicos no país, causando danos ao meio ambiente e à saúde dos consumidores e dos trabalhadores das lavouras onde esses defensivos são utilizados.

A PGR, em manifestação assinada em 2017 por Raquel Dodge, então chefe do MPF, defende a procedência da ação e a consequente inconstitucionalidade da isenção do IPI e do desconto no ICMS para os agrotóxicos. Dodge cita diversas pesquisas científicas para respaldar o argumento de que há uma forte relação entre o uso de agrotóxicos e desenvolvimento de problemas de saúde.

Admitidas como amici curiae, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (FIAN Brasil), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo vão sustentar na tribuna ressaltando os danos à saúde e ao meio ambiente.

A advogada do Idec, Mariana Gondo, disse que o foco do instituto é a defesa da saúde do consumidor. “Como a Constituição Federal coloca, a ordem econômica também tem que ter como princípio a defesa do consumidor, e tem também como valor a defesa da saúde e segurança de todos os produtos que são colocados no mercado. Então o nosso raciocínio é que a partir do momento em que o Estado beneficia e incentiva um determinado modo de produção de alimentos, o Estado também tem que assegurar que os produtos que chegam no mercado ao consumidor não vão acarretar em impactos à saúde, seja a curto, seja a médio ou longo prazo”, disse ao JOTA.

De acordo com um estudo da Abrasco, realizado por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), as isenções e reduções de impostos para empresas produtoras de agrotóxicos somam quase R$ 10 bilhões por ano. O estudo, que deve ser citado nas sustentações orais da Abrasco, do Idec e da Defensoria Pública de SP, leva em conta as isenções com IPI, PIS/Pasep, Cofins e redução no ICMS. Na ADI que será julgada, porém, as isenções do PIS e Cofins não são questionadas. Ainda segundo relatório da Abrasco, com base em dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, houve 34.147 notificações de intoxicação por agrotóxico entre 2007 e 2014 no país.

O tema deve deixar o plenário do STF dividido, e o julgamento deve ser apertado. O voto do relator, conforme o JOTA apurou, deve ser contra o setor do agronegócio, dando procedência à ação. Ao menos três ministros devem acompanhá-lo. Pelo menos outros três ministros, porém, devem levar em conta os argumentos da União sobre o preço baixo dos alimentos e competitividade no mercado internacional.

O julgamento deve ser longo e dificilmente será concluído nesta semana. Na quarta-feira, a sessão começa com as sustentações orais – há sete inscritos até agora, além da PGR e da AGU, mas o número pode aumentar, já que são permitidas inscrições até pouco antes do início da sessão.

Caberá ao presidente do STF, o ministro Dias Toffoli, decidir se o caso continuará em julgamento na quinta-feira ou se será realocado para outra data. Nada impede também que, após o início do julgamento, algum ministro peça vistas (mais tempo para analisar o caso), adiando a conclusão do julgamento.


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