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EC 135/24: tudo como dantes no Quartel de Abrantes

Por: Antônio Moreira Maués
Fonte: Conjur

Aprovada nos últimos dias de 2024, a Emenda Constitucional (EC) nº 135 foi um dos fatos políticos mais importantes do governo Lula 3. Seu significado, porém, decorre menos das mudanças que ela trouxe do que dos sinais de continuidade. Além de condicionar a segunda metade do governo, a EC 135/24 expõe mais uma vez as dificuldades de obter acordos estáveis sobre os conflitos distributivos no Brasil.

Tal como demonstramos em nosso livro O Desenho Constitucional da Desigualdade (Tirant lo Blanch, 2023), as dezenas de emendas aprovadas à Constituição de 1988 incidiram sobretudo em matérias relativas à tributação e ao orçamento. De quem o Estado arrecada, quem o Estado beneficia com seus gastos e quais os limites desses gastos são questões constantemente respondidas no Brasil por meio de normas constitucionais. Nesse campo, dois temas se tornaram recorrentes: emendas sobre políticas sociais, que buscam garantir seu financiamento, e emendas de ajuste fiscal, que buscam limitar o gasto público.

Sob a Constituição de 1988, sucessivos governos promoveram reformas constitucionais com esse conteúdo, tentando alcançar um acordo político que permitisse a expansão dos gastos sociais sem comprometer o equilíbrio fiscal. Contudo, o resultado desse processo é contraditório. Embora a Constituição tenha criado políticas de redução da pobreza, os recursos disponíveis são insuficientes para fazer mudanças estruturais na distribuição de renda e riqueza do país, além de serem arrecadados por um sistema tributário regressivo. Assim, essa Constituição antipobreza fica aquém de uma Constituição autenticamente redistributiva, que combine políticas sociais universais com financiamento baseado em tributação progressiva.

Com a aprovação da Lei Complementar nº 200/23, que criou o novo “regime fiscal sustentável”, segundo os termos da EC 126/22, o governo Lula tentou limitar a constitucionalização do ajuste fiscal. Um dos sinais dessa mudança era a extinção da Desvinculação das Receitas da União (DRU), prevista para ocorrer em 31 de dezembro de 2024. Sob o ponto de vista da divisão de poderes, o uso de lei complementar para regular essa matéria, em vez de emendas constitucionais, fortalecia o Executivo diante do Legislativo, por causa da diminuição do quórum necessário para aprovação das medidas e do poder de veto do presidente da República sobre os projetos de lei aprovados pelo Congresso.

No entanto, as pressões contra o aumento do gasto público no Brasil levaram à aprovação de novas normas constitucionais de ajuste fiscal, para dotá-lo de maior rigidez. Além de alterar regras relativas ao Fundeb e ao PIS/Pasep, a EC 135/24 manteve a vigência da DRU até 31/12/32. Criada pela EC 27/00, no governo FHC, a DRU completará mais de 30 anos consecutivos como instrumento de ajuste fiscal, o que obriga a reconhecer que essa medida se incorporou ao Direito Constitucional brasileiro.

O conjunto dessas normas tem o objetivo de reduzir o gasto público. O Ministério da Fazenda calcula que somente as mudanças no Fundeb terão um impacto de R$ 10,3 bilhões em dois anos. Por sua vez, a DRU flexibiliza o orçamento e permite que gastos sociais sejam remanejados, contribuindo para atingir as metas de resultado primário. Segundo o Ibre, estima-se em R$ 7,4 bilhões, em dois anos, a economia resultante da DRU. Mesmo que os patamares mínimos de gastos com saúde e educação não sejam afetados, sua expansão, bem como o financiamento de outras políticas sociais, tende a ser prejudicada.

Assim, a EC 135/24 demonstra que o ajuste fiscal continua tendo prioridade em relação aos gastos sociais no Brasil, e que essas decisões precisam ser tomadas no plano da Constituição e não das leis ordinárias e complementares. Em outras palavras, a vigência de normas constitucionais que limitam o gasto público é um requisito para a manutenção dos patamares mínimos de gastos sociais, que se encontram agora mais pressionados em razão do aumento das despesas com a previdência e a assistência social.

Mesmo que a contenção do gasto público seja necessária, seu impacto sobre as camadas de baixa renda poderia ser menor caso fossem adotadas, ao mesmo tempo, medidas de redução da carga tributária dessas camadas. Com a aprovação da reforma tributária pela EC 132/23, o governo Lula parece apostar nessa alternativa. Porém, o Congresso continua resistindo a propostas que favorecem a progressividade do sistema tributário, como a isenção até R$ 5 mil no Imposto de Renda.

Adicionando mais um capítulo à longa trajetória das emendas sobre tributação e orçamento no Brasil, a EC 135/24 confirma o entrincheiramento constitucional do ajuste fiscal no país e demonstra a dificuldade de promover reformas estruturais quando os interesses beneficiados pelo status quo controlam os espaços de decisão política, como ocorre com os interesses conservadores no Congresso. Assim, avanços na direção de uma Constituição redistributiva permanecem obstaculizados no país.


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